Murakami foi o escritor escolhido para iniciar as leituras do ano, até porque não me costuma desiludir. E, de facto, não lhe posso chamar desilusão, mas esperava melhor. Ou menos confuso, pelo menos.
Quem é fã do autor conhece o seu hábito de intercalar histórias, muitas vezes misturando o mundo real com o onírico, o místico ou o esotérico. Acontece que 632 páginas depois, em que uma carta por exemplo começa num capítulo e é acabada dois ou três depois, com outros assuntos pelo meio, prestam-se à tal confusão.
Toru Okada leva a vida mais sem graça à face da terra - despediu-se do seu emprego, para repensar a carreira que pretende seguir, portanto limita-se a tratar da casa enquanto a mulher trabalha, a preparar as refeições, ir à lavandaria e procurar o gato (que fugiu) - mas de repente tudo lhe acontece: estranhos telefonemas, múltiplos encontros com pessoas desconhecidas que aparecem e desaparecem misteriosamente, a sua mulher sai de casa sem lhe dar qualquer satisfação, enfim, a sua vidinha leva uma reviravolta de 180º. Entretanto, os desconhecidos que vão surgindo na sua nova vida vão-lhe contando histórias mirambólicas, nomeadamente dos tempos em que o Japão esteve em guerra (antes e durante a II Guerra Mundial) e de algumas atrocidades cometidas por ambos os lados, e relatadas tão minuciosamente como se de um filme de terror se tratasse. E essas, tanto quanto se sabe, são as que fazem parte do mundo real...
Enfim, não chegou a ser desilusão, mas este livro escrito em meados dos anos 90 está longe de ser
Murakami no seu melhor. Na minha modesta opinião, está claro,
uma vez que há outras. Devia ter desconfiado com aquela crítica do cruzamento entre
Woody Allen e
Frans Kafka, dois autores que abomino. Mas não é tanto assim, porque senão não tinha passado da página 40. Quando muito!
Citações:
"Penso que, para a grande maioria dos japoneses, a guerra com a China ameaçava tornar-se um lodaçal do qual não lograríamos sair. Isto para os japoneses que tinham dois dedos de testa, pelo menos. Por mais batalhas localizadas que pudéssemos ganhar, a longo prazo nunca o Japão poderia ocupar e manter debaixo do seu jugo um país tão grande."
"E quando uma pessoa vive como se não passasse de um invólucro vazio, não se pode dizer que tenha vivido de verdade."
"Na linha da frente era um pandemónio, e o abastecimento tinha sido cortado. Não havia água nem víveres. Não havia ligaduras. Não havia munições. Foi uma guerra cruel, aquela. Na retaguarda os manda-chuvas só estavam interessados numa coisa: ocupar território, e quanto mais depressa, melhor. Ninguém queria saber do aprovisionamento das tropas para nada."
"O nosso querido Lenine só aproveitou o que quis das teorias de Marx e para usar como bem entendeu, e o nosso querido Estaline só aproveitou das teorias de Lenine o que foi capaz de entender (o que não era muito), e ainda por cima para seu próprio benefício." (em itálico, no original, já que é opinião de um personagem russo)